Scene 0013: Pierre Henry

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Ele vê o teto com os padrões no gesso que lhe fizeram adormecer e, à sua direita, um carniçal martela a estaca que o outro, à sua esquerda, segura sobre seu peito. Mais um golpe e a ponta afiada irá trespassar-lhe o coração deixando-o à mercê de seus captores.

Henry abre os olhos de súbito e nota a desgraça que estava prestes a acontecer, sem muita escolha ou forças para reagir, faz uso de magestade, pois era um golpe que não precisaria de muito despendio de energia, nem de muita locomoção, os humanos ficariam a admirar a beleza quase divina do vampiro somente.

Os carniçais parecem sucumbir ao dom de sangue de Pierre, felizmente a Condessa de Lewisham não parece ter mandado ninguém cuja força de vontade pudesse rivalizar com seu poder.

No entanto, apesar de paralisados em devoção, eles lutam para cumprir as ordens de Juliette Merteuil e não largam as armas e, a qualquer momento, o golpe fatal pode paralizar Pierre.

Mediante a vontade pura e simples do vampiro ainda se manter vivo, ele se mantem acordado, sabe que se dormisse seria seu fim.

_Vocês vão pagar quando acordar, mas antes serão meus escravos e não vão permitir que nada me aconteça durante o dia.

O vampiro coloca os dois humanos em "amor", seria sua ultima cartada, antes do sono lhe consumir por completo novamente.

Um dos carniçais sucumbe ao poder de Pierre, justamente o que segura a estaca e a puxa do peito do vampiro. O outro, por outro lado, consegue se libertar temporariamente da influência do ancião e saca uma faca e os dois começam a lutar entre si.

Nesse ínterim, Pierre perde a consciência e adormece.

Capturado por seus inimigos, amordaçado, vendado e agrilhoado Pierre tenta inutilmente usar seus dons de sangue para escapar das correntes, mas os grilhões que lhe prendem são muito fortes para serem rompidos e alguma força mística impede que ele use seus poderes para se projetar no astral.

Durante meses ele oscila entre o torpor e o estupor. Só se alimentando de sangue narcotizado, cujos efeitos nocivos só fazem com que sua conexão com a realidade se perca cada vez mais. Seus captores só o alimentam o suficiente para poderem drenar seu sangue poderoso e nunca permitem que ele vislumbre o local do cativeiro.

De súbito, um estrondo tira Pierre do marasmo imposto pelas drogas em seu vitae. De certa feita, o ancião fora testemunha do descarrilar de uma locomotiva e o barulho do aço retorcido foi semelhante ao que acaba de ouvir.

— Encontramos mais um — diz alguém com um forte sotaque alemão. Pierre sabe tratar-se de um homem e, pela entonação, pode arriscar o palpite de que é um soldado.

— Não retirem a estaca — “E este”, pensa Pierre, “deve ser seu comandante” — vamos alimentá-los e depois Großmeister decidirá o que será feito deles.

— Como saberemos qual tipo de vitae devemos servir? — o primeiro homem pergunta e Pierre sabe tratar-se de Ventrue. Que outro filho de Caim faria uma pergunta como esta?

— Olhe para eles, filho — o comandante diz, enquanto Pierre sente seu corpo ser içado e colocado em um carrinho — Estão tão famintos que se alimentarão de qualquer tipo de vitae.

— Não há dignidade nisso.

— Filho, não há dignidade em nada do que vimos nesta mansão.

O gosto do vitae servido com abastança é, para Pierre, como uma orgia. Seus sentidos se aguçam e o ancião sente seu corpo se recuperar dos injúrias do cativeiro. Ele calcula que uma vintena de pessoas deram suas vidas para que ele pudesse se refestelar com seu sangue, mas nada disso importa agora.

A estaca é retirada e Pierre se vê sentado em uma cadeira de espaldar reto, vestindo roupas muito caras e, diante de si, detrás duma mesa de mármore ricamente ornamentada, um homem o observa enquanto outro carrega o incômodo pedaço de carvalho para longe dele.

— Você está sob a proteção da Cruz Negra — diz o homem em um inglês fluente. Este sujeito obviamente está posto em posição de comando — sua captora foi destruída e as terras que outrora estiveram em seu poder agora pertencem a Ordo Teutonicus.

A pior parte da provação pela qual está passando é o fato de que, a despeito do quão veementemente ele se negue a acreditar, Pierre já não sente tanta afeição por Amara quanto sentira antes. Seis meses foram tempo suficiente para extinguir o poder do Laço de Sangue e o falso amor que ligava o ancião à sua cria agora se revela tão insípido quanto a comida ou bebida mortais.

Sem a ilusão de que amava ou poderia algum dia ser amado, restava a Pierre Henry somente a certeza de uma eternidade de solidão, alimentada por incontáveis vítimas cujo sangue é ofertado à Besta. Sem Amara, ele está condenado a uma existência privada de paixão.


— Encontramos várias pessoas nas catacumbas sob a mansão — diz o vampiro — Talvez uma delas seja Amara.

Deveria haver alívio ou até júbilo na notícia, mas a Besta se recusa a ser atrelada novamente ao Laço e ruge nos ouvidos de Pierre.

“Não preciso dessa Criança da Noite” — ela diz, com a voz de Pierre — “Eu sou Pierre Henry, Senhor de Ibiza, filho de Caim, sobrevivi séculos sem ela. Bilhões de mulheres anseiam pelo meu toque. Não, não preciso dela.”

Agora que Pierre já não está embriagado de paixão, Amara se parece muito com um brinquedo que o ancião se cansou de brincar.

Ela ainda fala com sensatez e, a despeito da tortura, mantém o bom senso e o espírito compassivo que sempre o agradou. Entretanto, Pierre já não consegue se sentir protegido por sua presença.

— Deveríamos voltar para Ibiza — ela diz.

Uma das maiores amarras no mundo dos cainitas são as dívidas de honra. O grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos lhe salvara a não-vida e ainda lhe devolvera sua cria, portanto, partir não é uma alternativa

Dentro do taxi, Amara diz:

— Aprendi um pouco sobre a política londrina com um dos cavaleiros. Eles vão tentar nos impedir de sair de Lewisham até que tenhamos sido liberados pelo grão-mestre da Cruz Negra. Entretanto, eu estou certa de que nem todos obedecem a essas regras e deve existir transporte clandestino para nos levar de volta a Ibiza.

— Sim, aquele era o grão-mestre — diz Amara — e eles não virão atrás de nós se fugirmos. Em primeiro lugar, eles não sabem de onde viemos. Segundo, eles estão ocupados demais lutando contra o III Reich, que parece ainda existir na sociedade dos membros mesmo com a morte de Hitler. E terceiro, eles temem você por causa da sua idade. Não, eles não irão atrás de nós. Somos excelentes aliados, se nos decidirmos a apoiar sua causa, mas eles não podem se dar ao luxo de abrir outra frente de batalha contra um ancião.

— Carpe Noctem — corrige Amara em um tom bem humorado — não temos mais condições de aproveitar o dia. Não está se referindo às duas suecas com quem se fartou em Ibiza, não é? Oh... não importa. Bem, você ainda não me contou como foi capturado.