Karl Landsteiner

Aeroporto de Heathrow - Hillingdon - Londres - 25/DEZ/1955 - 20:10 - NARRAÇÃO - KARL LANDSTEINER

Nelsan Ellis, seu sire, lhe disse que Londres é a cidade mais burocrática do mundo, portanto ele precisa estar sempre atento ao protocolo e nunca perder sua Carta de Passagem.

— A cidade é dividida em mais de trinta feudos e cada um deles é como uma cidade per se — ele disse — é como se tivessem mais de trinta príncipes diferentes para os quais você precisará se apresentar se perder isso. Mais do que isso, cada um desses lordes vão querer que você jure vassalagem a eles. Portanto, não perca a maldita Carta de Passagem. Ela é a única coisa que lhe dá salvo conduto entre o Aeroporto de Heathrow e o Ducado de Greenwich, o único território Tremere encravado na maldita cidade Ventrue.

— Claro, amigo — diz o motorista, todo amigável e já sai para pegar as malas do passageiro — Vai ficar aonde em Greenwich? O pessoal gosta muito do Cygnet House e do One-Six-Two. Cá entre nós, o velho 162 tem o melhor serviço de quarto de Londres, se é que você me entende.

O motorista lhe pergunta se é professor e depois começa a divagar sobre a escola de seus filhos o resto da viagem, sem dar a Karl muita oportunidade de responder. Depois de um tempo o som da voz do motorista se perde em meio aos pensamentos do Tremere.

Quando chegam ao endereço, Karl entende a associação que o motorista fizera, eles estão diante da Universidade de Greenwich

Após pagar generosamente o motorista e lhe agradecer Karl se volta para universidade a contemplando em toda sua majestade, que infelizmente não podia ser totalmente apreciada a noite embora as luzes noturnas dessem um toque de beleza aos gramados.

Karl Se lembra nostálgico dos seus anos de aprendizado na universidade de Viena , A despedida do senhor não parecia tão ruim afinal, agora estaria cercado por diversas mentes sedentas por conhecimento , se sentia atraído não só pelo que seus companheiros de clã tinha ma lhe oferecer mas também pela companhia dos transeuntes que passavam, calados, carregando livros, conversando entre si, todos com aquele "ar" o ar de quem é sedento por conhecimento.

Bem mais animado diante dessa nova perspectiva Karl apenas foi andando rumo a construção mais próxima para buscar informação quando finalmente um pensamento lhe ocorreu , ele era Karl Lansteiner! e se alguém alheio ao mundo sobrenatural mas bem informado sobre a ciência lhe perguntasse o nome, e ficasse intrigado ao saber que ele tinha o mesmo nome de um famoso doutor? De qualquer forma ele tentou ignorar o pensamento e rumou para o local mais próximo a procura de informações.

Ela ri de sua própria gafe e o som de seu riso transporta Karl aos idos dias de sua infância quando se apaixonara pela primeira vez. A garota era ligeiramente mais velha do que ele e seu sorriso era o suficiente para tornar Karl o garoto mais feliz do mundo.

— Ora, como sou boba — ela diz e, agora, a jovialidade nos modos chega a seus olhos — Você me pegou, Karl. A verdade, é que eu estava lhe esperando, mas quis dar um ar de mistério ao nosso encontro e falhei miseravelmente. Seja bem vindo a Capela Tremere em Londres. Pode me chamar de Jenny ou regente, mas eu prefiro Jenny.

Ela começa a caminhar ao seu lado e sequestra-lhe o braço esquerdo. Jenny sabe caminhar escoltada, mas Karl perdeu a prática há décadas.

— Venha, vamos caminhar juntos — ela diz, esquivando-se da pergunta.

Jenny o leva para conhecer a universidade e Karl se deixa contagiar por sua jovialidade. Está havendo uma festa de Natal no salão e eles passam por ela, mergulhando na algazarra que os alunos fazem. Por um momento, Karl se esquece de quem é e simplesmente se permite sorrir.

— Nossa Capela está cheia de pessoas inteligentes e sisudas — diz Jenny, já fora do salão, sentada ao seu lado em um banquinho, no bosque da universidade — Não tenho nada contra pessoas inteligentes, na verdade, gosto muito delas, mas pessoas sisudas me aborrecem. Prometa que não será uma delas.

Karl olha para Jenny e percebe que seu olhar é, ao mesmo tempo esperançoso e um tanto cintilante. E se pergunta se um tremere poderia mesmo ser daquele jeito.

— Karl, é possível salvar o mundo e ainda viver sua vida — diz Jenny. E a maneira como ela fala o seu nome o comove profundamente — Se seu filho pudesse escolher entre passar seus últimos momentos segurando a mão do pai ao invés de imaginá-lo em um laboratório tenho certeza de que ele lhe pediria para deixar o mundo tomar conta de si mesmo por alguns momentos. E eu certamente não vou deixá-lo observar o mundo através de um microscópio. Você precisa viver a noite, Karl, saboreá-la.

— Temos mais tempo do que o mundo, Karl — ela diz, enigmaticamente — nós colocaremos as cadeiras sobre as mesas, apagaremos as luzes e fecharemos as portas do universo atrás de nós. Venha, vou lhe mostrar a Capela dos Espelhos.

Eles caminham novamente para dentro da Universidade e chegam aos dormitórios. Jenny conduz Karl para dentro de um deles e estacam defronte um espelho.

A tremere retira dos bolsos de seu univorme um anel de esmeralda, um novelo de linha e uma varinha, aparentemente feita de marfim.

Ela amarra o anel com o fio na varinha e, tocando no espelho, diz:

— Ariadne, filha de Pasífae, filha do filho de Europa, legatária de Daídalos e senhora do Labirinto. O sangue de Pérdix ecoa desde a terra e, através dele, reivindicamos passagem através do espelho.

Mal as palavras são proferidas e a superfície do espelho começa a ondular e Jenny puxa Karl pela mão e mergulha no universo entre os universos.

CAPELA DOS ESPELHOS - NARRAÇÃO - KARL

Por um instante, Karl vê o emaranhado labiríntico de paredes no Astral e, no instante seguinte, ele está em pé sobre uma plataforma, no interior de uma enorme esfera espelhada. De fato, toda superfície visível é um único espelho.

— Seja bem vindo a Capela dos Espelhos — diz uma outra mulher, diante da qual Jenny se ajoelha.

— Domina — Jenny diz — trouxe-lhe o doutor, conforme me foi requerido.

—Dr Landsteiner— diz a mulher — perdoe nossa criança por enganá-lo. Eu sou Khalatra, a verdadeira Regente da Capela dos Espelhos. A Sra Lightbringer é nosso elo político com a Camarilla local.

“Senhora Lightbringer”, pensa Karl. “Ela é casada?”

— Não sei de quem está falando — diz Khalatra.

— Lewis Carroll foi o pseudônimo do matemático Charles Lutwidge Dodgson, regentia — responde Jenny, antes que Karl possa dizer qualquer coisa.

A regente obviamente não entende a correlação entre o matemático e a Capela dos Espelhos e Jenny não parece disposta a explicar.

— Não foi o seu talento para ocasiões sociais que o trouxe aqui, doutor — diz Khalatra, no mesmo tom monótono que certas professoras usam para ensinar matérias insossas para crianças com necessidades especiais — está aqui para nos ajudar no Labirinto. Charlotte irá guiá-lo.

Tão logo a regente profere seu nome, a moça se aproxima e faz um sinal para que Karl a siga.

Ela o leva a um pequeno tour pela Capela dos Espelhos e Karl descobre, para seu deleite, que a capela fica sob o Royal Greenwich Observatory e, portanto, no exato local onde passa o Prime Meridian ou Meridiano Zero, estabelecido por Sir George Biddell Airy em 1851. Definido, por acordo internacional em 1884, como o primeiro meridiano, serve de referência para calcular distâncias em longitudes e estabelecer os fusos horários. Cada fuso horário corresponde a uma faixa de quinze graus de longitude de largura, sendo a hora de Greenwich chamada de Greenwich Mean Time (GMT).

Charlotte informa a Karl que Sir George Airy era, além de matemático e astrônomo, um grande magus da Ordem de Hermes e que a descoberta do Prime Meridian se deveu muito mais a seus estudos metafísicos do que a ciência mundana.

— Aqui é o ponto focal sobre o qual temos acesso ao Labirinto — diz Charlotte — Durante séculos utilizávamos o Meridiano de Ferro [1] para ancorarmos nossas investigações para além deste aspecto da Tellurian e, posteriormente, o Meridiano de Paris [2], que tornou uma das grandes janelas que utilizamos até hoje, mas a partir do final do século XIX, passamos a usar Greenwich, a despeito do quanto tínhamos que lutar contra os mithraístas para nos manter aqui.
___________________________
[1] Durante vários séculos, inclusive durante todo o período dos Descobrimentos, o Meridiano de Ferro foi considerado meridiano "0" já que era o extremo ocidental do mundo conhecido. O meridiano era fixado na Punta de Orchilla, até que, em 1887 se transferiu a referência ao Meridiano de Greenwich. Por isso também se conhece a ilha de El Hierro como a ilha do meridiano.

[2] O meridiano de Paris é uma linha que atravessa o meridiano do Observatório de Paris, em Paris, França, agora, sua Longitude corresponde a 2°20'14.025 leste. Foi um longo rival do Greenwich, como o primeiro meridiano do mundo, como foi o meridiano de Antuérpia, em Flandres.

Em 1994, a Associação Arago, da cidade de Paris requisitou um artista conceitual holandês, Jan Dibbets, para criar um memorial para Arago. Dibbets surgiu com a ideia de 135 medalhas de bronze (embora apenas 121 estão documentados no guia oficial para os medalhões) no solo ao longo do meridiano de Paris entre os limites norte e sul de Paris: uma distância total de 9,2kilometros/5.7milhas. Cada medalha mede 12 cm de diâmetro e marcados com o nome ARAGO, com os ponteiros N e S (Norte e Sul).

Outro projecto, o chamado Meridiano Verde (La Méridienne Verte), que visa estabelecer uma plantação de árvores ao longo de todo o comprimento do meridiano na França. Vários medalhões Arago que estava a faltar, parece ter sido substituído com o mais recente marcador, "La Méridienne Verte".

Em certos círculos, é atribuído algum tipo de ocultismo ou significado esotérico ao meridiano de Paris, por vezes, é entendido como um eixo do sinistro. Dominique Stezepfandts, um teórico da conspiração francês, ataca os medalhões Arago, como um suposto traçar de "uma linha de ocultismo a rota geográfica", para ele o meridiano de Paris é um "eixo maçônico" ou mesmo "o coração do diabo".

— Aqui é seu local de trabalho, doutor — diz Charlotte, apontando para um scriptorium [1] — Aquela porta dá para a biblioteca. Se houver alguma dúvida ou algum idioma no qual não seja fluente, pode me chamar.

Dito isto, ela se afasta pelo corredor, deixando Karl a sós com seus novos afazeres, os quais ele não tem idéia de quais são.

_______________________________
[1] Scriptorium, literalmente, "um local para escrever", é comumente usado para referir-se a um quarto nos mosteiros medievais europeus destinado aos monges copistas que, na época medieval, escreviam os manuscritos; ou seja, o scriptorium era um complemento da biblioteca. A maior parte da escrita monástica era feita em cabines como reentrâncias no claustro, ou nas celas dos próprios monges.

Karl encontra uns poucos manuscritos que ele conseguia entender o linguajar e percebe seu engano.

A Capela dos Espelhos não ficava dentro de um espelho, mas eles são utilizados como portais para o que os teóricos da linha específica de Taumaturgia praticada naquela capela chamam de Labirinto.

Dada a quantidade de livros, Karl estima que, se quiser se aprofundar em seus estudos, ele terá que passar várias noites naquele lugar, mas durante os poucos momentos em que esteve separado de Jenny, ele sente uma enorme saudade formando um vazio devastador em seu peito.